Os psicodélicos têm sido usados fora da medicina ocidental há milhares de anos, como também têm sido usados terapeuticamente em contextos ocidentais, mas fora das estruturas médicas formais. Isto tem ocorrido em grande parte na forma de terapias “underground”.
A medicalização dos psicodélicos fornece um exemplo dessa forma cultural, reconceitualizada em termos médicos, a fim de fornecer abertura para os processos mais amplos de medicalização, biomedicalização e farmaceuticação.
A medicalização refere-se a processos sociais pelos quais problemas não médicos são construídos em termos médicos. É útil para compreender como o aumento do conhecimento médico veio estruturar narrativas de normatividade na psiquiatria (e fora dela) através da classificação dos problemas de saúde mental.
O conceito de medicalização psicodélica explica como a terapia psicodélica assistida entrou nos campos da investigação científica, da psiquiatria experimental e da regulação governamental através do discurso médico. O que emergiu não foi a simples definição dos problemas humanos em termos e serviços médicos, mas a definição rigorosa de substâncias psicodélicas, utilizadas como medicamentos e as mudanças profundas, potencialmente diversas, que induzem ao potencial uso medicinal e curativo.
A medicalização da prática psicodélica e investigação psiquiátrica sobre compostos psicodélicos começaram em meados do século XX e foram interrompidas no final da década de 1960, contribuindo para conduzir as terapias psicodélicas para a clandestinidade, sendo vista como uma droga de rua revolucionária.
Fora da ciência e medicina surgiram práticas terapêuticas e culturas heterogêneas, sem as limitações autorizadas das estruturas médicas ocidentais, com profissionais livres para integrar novas abordagens, práticas espirituais e formas tradicionais de cura psicodélica, baseadas nas práticas da cultura indígena.
Sem supervisão regulamentar, estes grupos de investigação clandestinos funcionavam com abertura à experimentação, integrando abordagens espirituais que tratavam os problemas individuais como parte do desenvolvimento biográfico de uma pessoa. Embora este seja apenas um exemplo de exploração psicodélica, ilustra como a criminalização de compostos psicodélicos facilitou o desenvolvimento de terapias ilícitas.
Apesar do recuo dessa corrente dominante, tem havido um interesse duradouro na utilização de compostos psicodélicos, juntamente com apoio terapêutico, como modalidade de tratamento. Embora opere fora da medicina psiquiátrica e da pesquisa formal, isto constitui uma parte essencial da história e trajetória sociocultural e não regulamentada mais ampla da medicina psicodélica.
A atual onda de interesse popular pelos psicodélicos adaptou-se às tendências culturais e sociais mais amplas. Relatos públicos incluem descrições de experiências underground e viagens a pontos turísticos psicodélicos internacionais, como o México, a Holanda e locais da Amazônia, onde terapeutas, clínicas e retiros psicodélicos são tolerados. Tais representações nos meios de comunicação populares, juntamente com um fluxo constante de “avanços” científicos, geraram uma próspera indústria de viagens alternativas, para aqueles que procuram cura e aprimoramento psicodélico.
Nestes contextos, as abordagens terapêuticas são, cada vez mais, informadas por abordagens clínicas e psicoterapêuticas, promovidas através de discursos científicos e médicos. A atual integração dos psicodélicos reflete a concentração de percepções tradicionais, práticas espirituais contemporâneas e ciência de ponta.
Vários grupos de interesse psicodélicos e indivíduos ligados ao Instituto Esalen, na Califórnia, por exemplo, trabalharam no sentido de integrar a investigação psicodélica como legítima e respeitável para a comunidade científica e médica. Desde o início dos anos 2000, as publicações sobre psicodélicos clássicos aumentaram significativamente, com trabalhos de investigação em grandes universidades e organizações, concentrando avanços e descobertas neurocientíficas, farmacológicas e psiquiátricas.
A medicalização, a farmacêutica e a biomedicalização são, portanto, quadros conceituais úteis para a compreensão de como a ciência e a medicina configuraram a investigação e a aplicação de terapias psicodélicas assistidas. As melhores práticas atuais envolvem triagem intensiva, psicoterapia, o fornecimento de múltiplas sessões e programas estruturados de integração para garantir que os insights gerados nas sessões sejam assimilados na vida cotidiana.
Modelos estabelecidos de terapias psicodélicas, para transtornos mentais resistentes ao tratamento, são orientados para a abordagem psicoterapêutica, ao contrario do padrão que manipula medicamentos psiquiátricos, como os antidepressivos, para corrigir ou melhorar um estado cerebral patológico presumido. Em casos de transtornos depressivos, a abordagem visa aliviar os sintomas do paciente e promover a função cerebral e reestruturação dos processos psicológicos centrais, com a esperança de uma mudança cognitiva duradoura .
Outras formas de terapia psicodélica assistida, como a microdosagem – a administração de quantidades muito baixas e imperceptíveis de compostos psicodélicos (mais frequentemente LSD e psilocibina) – tem crescido em popularidade, tanto no tratamento terapêutico, como para o bem-estar geral, apresentando efeitos benéficos no humor e na cognição.
O modelo de microdosagem apresenta uma alternativa altamente atrativa para consumidores e fornecedores preocupados com o custo, a acessibilidade e a intensidade de mão-de-obra das abordagens atuais. A microdosagem tem o potencial de alinhar as terapias psicodélicas com a base da prática psiquiátrica, ou seja, prescrever medicamentos para tomar diariamente durante longos períodos. Além disso, a microdosagem parece ser muito mais adequada à monetização e aos interesses das indústrias farmacêutica e de bem-estar.
As terapias psicodélicas apresentam um modelo alternativo promissor às práticas farmacológicas atuais, para o tratamento de transtornos de saúde mental. Décadas de intervenção política, incluindo a chamada Guerra às Drogas e o estigma resultante associado ao uso destes compostos, impediram por várias décadas, o avanço da medicina psicodélica. Entretanto, a última década marcou o renascimento das investigações e ensaios clínicos de alta qualidade, que combinaram a psicoterapia e a farmacologia.
Este desenvolvimento, juntamente com resultados de estudos promissores, a defesa de organizações respeitadas e investigadores recuperou a reputação dos psicodélicos, a partir de uma abordagem cautelosa, que anseia pela integração das terapias psicodélicas assistidas aos sistemas de saúde existentes.
A relação entre os mecanismos farmacológicos dos psicodélicos e o papel da psicoterapia será monitorada de perto e, provavelmente, determinará diretrizes de segurança e aplicação dos psicodélicos em transtornos resistentes ao tratamento.
A investigação e os ensaios extensivos desempenharão, sem dúvida, um papel significativo na determinação de como as terapias psicodélicas poderão ser integradas aos sistemas de saúde. A biomedicalização e a monetização continuarão a moldar o campo, acelerando o conhecimento científico e a implementação comercial destes tratamentos.
A exploração científica de muitos compostos psicodélicos novos e ainda não testados, as descobertas que futuras investigações e ensaios clínicos nesta área trarão, inevitavelmente, maior acesso a novos tratamentos, no cenário da neurociência e da psiquiatria.
Estes processos são considerados essenciais, tanto para a segurança, como para a eficácia do tratamento e apresentam grandes desafios para a implementação em massa de terapias psicodélicas nos sistemas de saúde existentes.
Referências
ANDREWS, Timothy; WRIGHT, Katie. The frontiers of new psychedelic therapies: A survey of sociological themes and issues. Sociology Compass, v. 16, n. 2, p. e12959, 2022.