O transtorno depressivo maior (TDM), que afeta cerca de 280 milhões de pessoas em todo o mundo, é uma das principais causas de sofrimento prolongado, incapacidade e morte prematura.
Estima-se que uma em cada três pessoas com TDM evoluem para depressão resistente ao tratamento (TRD), que é frequentemente definida como a falta de resposta a, no mínimo, dois tratamentos antidepressivos de dose e duração adequadas, durante um episódio depressivo maior.
Devido à limitação das diretrizes de tratamento, aproximadamente três, em cada quatro pessoas com TRD, são tratadas com quatro ou mais linhas de medicação, antes de alcançar uma resposta tolerável, com ampla heterogeneidade nas abordagens de tratamento.
As abordagens ineficazes contribuem para a redução da taxa de resistência e aumento do risco de recaída, com ciclos sucessivos de tratamento. As limitações das farmacoterapias atuais apresentam uma necessidade urgente e não atendida para pessoas com TDM.
Pessoas com TRD apresentam carga de doença notavelmente maior (maior gravidade, cronicidade e risco de suicídio) e menor qualidade de vida que as pessoas com TDM que respondem ao tratamento de primeira ou segunda linha.
O TRD tem um amplo impacto social e incorre no dobro do custo do TDM não resistente ao tratamento. Além disso, as pessoas têm maior probabilidade de desemprego, são menos produtivas no trabalho e permanecem incapacitados para o trabalho por longos períodos.
Os avanços recentes nas terapias antidepressivas concentraram-se em novos mecanismos de ação e em maior rapidez de resposta aos resultados relacionados com a qualidade de vida e o funcionamento psicossocial. Isto renovou o interesse no potencial terapêutico das drogas que produzem uma experiência psicodélica, bem como nos principais sintomas de TDM.
Recentemente, a psilocibina – ingrediente ativo dos “cogumelos mágicos” (Psilocybe spp.) – demonstrou em vários ensaios clínicos de fase 2, a capacidade de aliviar de forma robusta e rápida os sintomas depressivos, em pacientes com depressão relacionada ao câncer e pacientes com TDM ou TRD.
No maior ensaio clínico randomizado duplo-cego para o tratamento de TRD, a psilocibina 25 mg demonstrou eficácia significativamente melhor, em comparação com o controle de 1 mg no endpoint primário de eficácia. Os efeitos antidepressivos foram rápidos, ocorrendo já no Dia 2, e 1/5 dos participantes que receberam 25 mg de psilocibina mantiveram a resposta da Semana 3 até a Semana 12.
Os 233 participantes foram randomizados e receberam psilocibina 25 mg (n = 79), 10 mg (n = 75) ou 1 mg (n = 79) (população de segurança), na proporção de 1:1:1. A administração da dose única durou de 6 a 8 horas com a presença do terapeuta líder que preparou o participante e de um terapeuta auxiliar.
A administração de psilocibina usada neste ensaio multicêntrico internacional de fase 2 foi o medicamento experimental COMP360, uma formulação sintética de psilocibina de grau farmacêutico patenteada, que foi desenvolvida e otimizada para estabilidade e pureza.
Os participantes elegíveis completaram períodos de run-in de 3 a 6 semanas, durante os quais, medicamentos antidepressivos e outros medicamentos ativos proibidos para o sistema nervoso central foram reduzidos gradualmente e descontinuados por, pelo menos, 2 semanas antes do inicio da administração de psilocibina.
Durante esse período, um terapeuta treinado reuniu-se com o participante durante três sessões preparatórias para explicar o desenho e os procedimentos do ensaio, construir confiança, fornecer psicoeducação e ajudar o participante a se preparar para a experiência psicodélica.
O processo foi finalizado após, no mínimo 6 horas da administração, quando os efeitos da droga haviam se dissipado. O ensaio acompanhou os participantes durante 12 semanas após a administração da psilocibina.
A psilocibina 25 mg, administrada associada ao apoio psicológico de terapeutas treinados, não apenas melhorou os sintomas de depressão avaliados pelo médico na semana 3 em participantes com TRD, mas também resultou na melhora de uma medida de depressão relatada pelo paciente.
O tratamento reduziu a ansiedade e aumentou o afeto positivo, ao mesmo tempo que reduziu o afeto negativo. A psilocibina também teve ação rápida, com diferenças de tratamento observadas já no dia 2, após a administração de uma dose única.
Esses resultados relatados pelos pacientes são altamente consistentes com aqueles avaliados pelo médico, que foi a medida de eficácia primária neste estudo e foi administrado por avaliadores que desconheciam a atribuição do tratamento e não tiveram outro contato com o participantes.
O impacto da TRD, normalmente, vai além dos sintomas clínicos e, por isso, também foram avaliados os aspectos relacionados ao trabalho, família e interações sociais, função cognitiva e qualidade de vida.
As perspectivas do paciente e a melhoria na ansiedade, funcionamento e qualidade de vida são componentes-chave da melhoria e recuperação geral e podem ter impacto na carga global da doença.
As diferenças de tratamento nas medidas de qualidade de vida e função cognitiva foram menores, mas mostraram tendências comparáveis para um efeito maior da dose de 25 mg.
Em quase todas as medidas exploratórias de eficácia, observou-se uma relação dose-resposta, com melhora maior na semana 3 e no grupo de 25 mg, foi maior que no grupo de 10 mg, em comparação com o grupo de 1 mg.
Como ambas as doses de 25 mg e 10 mg eram psicoativas, esses achados sugerem que é improvável que o efeito diferencial dessas doses de psilocibina seja devido à expectativa.
Os eventos adversos ocorreram em 66 participantes (84%) no grupo de 25 mg, 56 participantes (75%) no grupo de 10 mg e 57 participantes (72%) no grupo de 1 mg. Eventos adversos graves ocorreram em 4 participantes (5%) no grupo de 25 mg e em 4 participantes (5%) no grupo de 10 mg; nenhum desses eventos foi relatado no dia da administração da psilocibina. Não foram observadas alterações clinicamente significativas nos sinais vitais, testes laboratoriais clínicos ou ECGs de 12 derivações durante o ensaio.
As descobertas relatadas ampliam a compreensão do efeito multifacetado da psilocibina em um conjunto abrangente de medidas relacionadas à TRD e apoiam ainda mais o seu desenvolvimento no tratamento desta doença. Representam, também, o maior conjunto de dados de um ensaio clínico randomizado controlado de um agonista serotoninérgico, produzindo uma experiência psicodélica.
Esses parâmetros exploratórios de eficácia do maior ensaio clínico randomizado de psilocibina, até o momento, amplia a evidência da rápida eficácia de uma dose única de psilocibina para benefícios que são de suma importância para os pacientes – ou seja, gravidade da depressão avaliada pelo paciente, ansiedade, afeto, funcionamento e qualidade de vida e apoio ainda maior ao desenvolvimento deste composto no tratamento de pacientes com TRD.
Referências:
GOODWIN, Guy M. et al. Single-dose psilocybin for a treatment-resistant episode of major depression. New England Journal of Medicine, v. 387, n. 18, p. 1637-1648, 2022.
DOI: 10.1056/NEJMoa2206443