USO DE SUBSTÂNCIAS PSICODÉLICAS EM RITUAIS RELIGIOSOS E PRÁTICAS TERAPÊUTICAS

O uso de psicodélicos para construir ou reforçar a conexão e a coesão social tem sido observado há muito tempo por antropólogos. As culturas e os xamãs amazônicos usam ayahuasca há mais de 3.000 anos, para fins médicos e espirituais. Os primeiros povos indígenas da bacia amazônica usavam ayahuasca administrada por xamãs para comunicação espiritual, experiências mágicas, ritos de iniciação e rituais de cura.

As propriedades das substâncias “alucinógenas” ou “psicodélicas” são vetores poderosos de transmissão cultural e consolidação de grupos sociais, além de transmitir ao usuário uma sensação de força nas suas interações sociais e experiências psicodélicas. 

Nos ritos iniciáticos de passagem e nas cerimônias de amadurecimento de muitos grupos indígenas, em todo o mundo, o uso de psicodélicos sugere que essas substâncias são catalisadores e facilitadores poderosos, para a enculturação e transmissão de crenças. Uma função importante dos ritos coletivos está na capacidade de induzir uma sincronização de afetos e comportamentos entre os participantes, identificado como um poderoso catalisador para a afiliação social, apoiam a dinâmica de “efervescência coletiva” gerada pelos rituais, levando a uma “fusão de identidade” e resultando em um senso de unidade dentro do grupo social. 

Contrastante com as sociedades euro-americanas, onde o abuso de drogas é um importante problema de saúde pública, especialmente entre a população adolescente, muitas sociedades indígenas usam alucinógenos em cenários culturais específicos – rituais – para inculturar os jovens. Nesse contexto, os psicodélicos são ferramentas poderosas para inculcar valores culturais, crenças ou normas sociais e, assim, reforçar um senso de identidade cultural. 

Na década de 1970, esta noção tornou-se um conceito popular, através do qual foi analisada a conversão entre movimentos religiosos emergentes, incluindo aqueles associados ao fenômeno hippie, que foram chamados de “cultos” por seus detratores. 

Ao associar os psicodélicos às noções de “manipulação mental” e “lavagem cerebral”, a proibição francesa contribuiu fortemente para a estigmatização social dos psicodélicos e para a legitimação de sua proibição na Europa. Embora o julgamento tenha sido arquivado, esse caso de fato teve um impacto internacional, influenciando políticas públicas em outros países europeus. 

Desde a década de 1980, tem havido um intenso debate público, científico e legal sobre os conceitos de culto e lavagem cerebral. Em oposição às alegações do movimento anticulto americano, vozes se levantaram para apontar a natureza não científica e subjetiva desses conceitos e para denunciar seu uso como justificativa para perseguir novos movimentos religiosos impopulares e para violar os direitos constitucionais de seus membros. 

Após anos de debates, surgiu um consenso acadêmico de que a lavagem cerebral era pseudociência, nunca foi publicada em periódicos científicos e, portanto, não estava disponível para avaliação e crítica acadêmica. 

As descobertas da investigação etnográfica comparativa, conduzida em vários centros xamânicos da Amazônia peruana, mostram que os elementos culturais, bem como as características dos dispositivos rituais específicos dessas instituições, influenciam fortemente as características formais das imagens visuais e auditivas percebidas pelos participantes, durante rituais psicodélicos. 

Analisando o aprendizado social que fundamenta o surgimento dessas experiências culturalmente prescritas, observa-se a “socialização de alucinações” – dinâmica por meio da qual as trocas verbais e as interações sociais moldam a experiência psicodélica, ao direcionar a atenção, as expectativas e a percepção. 

A propriedade que os psicodélicos possuem de facilitar a transmissão de crenças, a enculturação e a afiliação social foi destacada como parte do interesse renovado em psicodélicos nas sociedades euro-americanas e vista como um vetor de suas propriedades terapêuticas. Aumentar sentimentos de pertencimento coletivo e transmissão de valores ou crenças culturais específicas levanta questões éticas complexas no contexto da globalização dessas substâncias. 

Nas últimas décadas, essa propriedade foi percebida como problemática por movimentos anticulto e autoridades públicas de alguns países europeus. O surgimento do “turismo xamânico” e o sucesso de práticas rituais, envolvendo o uso de substâncias alucinógenas, deram origem a sérias preocupações entre as autoridades públicas francesas, que viram isso como uma fonte potencial de “desvios de culto”. 

Essas preocupações foram expressas, em particular, por processos judiciais envolvendo membros franceses do Santo Daime e o “caso Takiwasi”, que levou um dos principais centros xamânicos da Amazônia peruana, e seus colaboradores franceses, a serem processados por autoridades judiciais na França e acusados de ser um “grupo de culto”. 

Os franceses alegaram que os psicodélicos poderiam ser usados para “manipulação mental”, desestabilização psicológica, conversão inconsciente ou não totalmente consentida por grupos de culto, por meio da chamada “submissão química”, fato que levou à proibição da ayahuasca na França em 2005. 

Nos Estados Unidos, como na maioria dos países ao redor do mundo, conceitos como “lavagem cerebral” são considerados pelos tribunais como desnecessários para justificar investigações e possíveis processos de grupos religiosos suspeitos de violar a lei. A comunidade acadêmica compartilha um consenso quase unânime de que a tese da lavagem cerebral não tem qualquer mérito científico. 

Hoje em dia, as pessoas viajam para a América do Sul e América Central, onde a ayahuasca é legal em muitos países, para tomar ayahuasca para introspecção, iluminação espiritual e alívio de sintomas de depressão e ansiedade. O componente alucinógeno da ayahuasca, N,N-dimetiltriptamina (DMT), é ilegal no Canadá e na maior parte dos EUA, exceto para fins religiosos, em alguns estados. O DMT também é ilegal em muitos países europeus. 

Pesquisadores e especialistas em ayahuasca concordam que há muito potencial e evidências anedóticas sobre o uso da ayahuasca na medicina. Pessoas que ingerem ayahuasca, frequentemente, relatam viajar no tempo, ver traumas passados sob uma luz diferente e se comunicar com espíritos ou um poder superior. Muitos indivíduos também relatam melhoras nos sintomas de depressão e ansiedade, após emergirem de sessões de ayahuasca, que duram várias horas. 

Um ensaio clínico inicial têm observado o impacto da ayahuasca em pessoas com depressão, especialmente as que eram resistentes a outros tratamentos e pessoas em sofrimento causado pelo transtorno do estresse pós traumático (TEPT), contudo, esse é um longo processo, até que obtenham-se resultados suficientes, para que um médico possa usar com confiança em quantidades específicas, a exemplo do estudo feito com metilenodioximetanfetamina (MDMA) para TEPT e cetamina para depressão. 

Uma propriedade notável dos psicodélicos parece desempenhar um papel central nessa dinâmica de verificação experiencial: sua capacidade de aumentar a sugestionabilidade. Pessoas que vivenciam esse processo afirmam que, assim como a hipnose, as substâncias psicodélicas produzem um estado de sugestionabilidade aprimorada. 

As substâncias alucinógenas são usadas por muitos grupos indígenas para criar estados de consciência hipersugestivos, a fim de promover uma socialização rápida para fins religiosos ou pedagógicos, como a inculturação de adolescentes durante rituais de puberdade liderados por anciãos. 

No campo terapêutico, embora a ayahuasca ofereça potencial para tratamento de saúde mental, é uma substância complexa que requer consideração, acompanhamento e orientação cuidadosa. 

Referências

DUPUIS, David. Psychedelics as tools for belief transmission. set, setting, suggestibility, and persuasion in the ritual use of hallucinogens. Frontiers in psychology, v. 12, p. 730031, 2021.

https://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.730031

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