As configurações legais e culturais nos vários países onde os medicamentos psicodélicos são propostos moldarão os processos de reclassificação, regulação e controle desses compostos.
Embora a mecânica dos quadros regulamentares e jurídicos seja específica da jurisdição, existem vários caminhos comuns, desde controles médicos específicos, que permitem a prescrição para uso terapêutico, até processos que envolvem considerações sobre a dificuldade de alinhar propostas de medicalização, com argumentos em favor da descriminalização e/ou legalização.
A proliferação da terapia assistida por psicodélicos levanta questões de segurança, em relação à capacidade dos profissionais examinarem os pacientes com segurança e fornecerem altos padrões de atendimento.
A partir de 2024, alguns psicodélicos receberam uma posição legal ou descriminalizada em partes da África Central (Guiné Equatorial, Camarões e República do Congo), África do Sul, Austrália, Bahamas, Brasil, Ilhas Virgens Britânicas, Canadá, República Tcheca, Costa Rica, Israel, Jamaica, México, Nepal , Holanda, Panamá, Peru, Portugal, Samoa, Espanha, Suíça e Estados Unidos.
Os psicodélicos incluem psilocibina, 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), dietilamida do ácido lisérgico (LSD), ayahuasca, ibogaína, entre outros. O panorama jurídico destas substâncias tem mudado globalmente, em meio à investigação contínua e emergente sobre os vários benefícios da sua utilização terapêutica.
Foi demonstrado que os psicodélicos ajudam no tratamento de problemas de saúde mental, como depressão resistente ao tratamento e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), alívio de problemas de saúde física, como a dor crônica.
Apresentamos uma visão mais detalhada, da situação dos psicodélicos em todo o mundo, incluindo os cenários em constante mudança de legalização, descriminalização e aprovações de agências de revisão de drogas.
África Central: Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e República do Congo
A ibogaína vem sendo estudada para transtorno de uso de opióides e TEPT. A planta iboga é nativa da África Central, onde é usada por comunidades indígenas para fins cerimoniais, em países como: Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e República do Congo. Nessas áreas, a ibogaína carece de um quadro jurídico que a regule, sendo legal, apenas no Gabão, onde é protegido.
África do Sul
Na África do Sul, a ibogaína é considerada um medicamento e pode ser fornecida por profissionais licenciados. Os cogumelos psilocibinos são criminalizados em termos do Drugs and Drug Trafficking Act 140 de 1992 (Drugs Act) e do Medicines and Related Substances Act 101 de 1965 (Medicines Act).
Alemanha
O país possui vários centros de tratamento de ibogaína, mas não é regulamentada, exceto para as regras farmacêuticas da Lei Alemã de Medicamentos. A Alemanha faz parte do grupo de 10 países que estão realizando o maior teste clínico de psilocibina do mundo, atualmente na fase 2, envolvendo mais de 200 pacientes.
América Central – Costa Rica e Bahamas
A Costa Rica proíbe a posse, venda e fabricação de praticamente todas as substâncias psicodélicas, como cogumelos mágicos, LSD, MDMA, psilocibina. A cetamina é legal para uso terapêutico há muitos anos, mas o uso recreativo é proibido.
Nas Bahamas a política de drogas é ditada pelo Dangerous Drugs Act, estabelecido em 2000. O documento abrange ópio, folhas de coca, cocaína, morfina, anfetaminas, LSD e seus análogos, mas não faz menção à psilocibina ou psilocina. O cultivo e o consumo pessoal são permitidos, mas nenhuma venda ou exportação é permitida.
Austrália
Em 2023, a Administração de Produtos Terapêuticos (TGA) da Austrália, agência responsável pela regulamentação de medicamentos, decidiu permitir que psiquiatras autorizados prescrevessem alguns psicodélicos, para certas condições de saúde mental.
A TGA permite a prescrição de MDMA para TEPT, psilocibina para depressão resistente ao tratamento e a ibogaína pode ser prescrita para tratar o vício na Austrália. A decisão reconheceu a atual falta de opções para pacientes com doenças mentais específicas, resistentes ao tratamento.
Brasil
No Brasil é autorizado o uso off label de cetamina para condições mentais de saúde como a depressão.A ibogaina também é permitida em uso hospitalar, assim como a cetamina. A ayahuasca é autorizada a ser utilizada em roituais tradicionais em centros ayahuasqueiros. A psilocibina é listada como Classe F2 pela Lei Brasileira de Drogas e Substâncias Controladas, juntamente com LSD, DMT, 2C-E e outros compostos psicodélicos. Os produtos controlados F2 são considerados “Psicotrópicos Proibidos”, cujo uso é permitido apenas em pesquisas científicas autorizadas.
Canadá
O Canadá têm expandido lentamente o acesso a substâncias psicodélicas. A maioria dos psicodélicos são ilegais com base em suas classificações na Lei de Drogas e Substâncias Controladas, com algumas exceções:
O composto psicodélico 5-MeO-DMT é legal para uso e posse pessoal no Canadá. Embora a mescalina esteja listada como uma substância controlada da Tabela III, o peiote não o é e, em 2017, a Health Canada adicionou a ibogaína à sua lista de medicamentos prescritos.
Em 2022, a Health Canada, o departamento governamental responsável pela política de saúde, adicionou uma alteração especial ao seu Programa de Acesso Especial (SAP). A alteração permite que os médicos solicitem acesso à psilocibina, MDMA, DMT, LSD e outros psicodélicos e está disponível, apenas, para determinadas condições médicas graves, em casos de emergência, quando os pacientes não podem possuir (a substância), mas devem ser administrados pelo médico ou psicoterapeuta.
A província canadense da Colúmbia Britânica descriminalizou pequenas quantidades de drogas ilícitas. E no início de 2023, Alberta implementou uma estrutura para regulamentar e licenciar alguns prestadores de cuidados de saúde, para administrar alguns psicodélicos, para tratamento de saúde mental.
Estados Unidos
Nos EUA, os psicodélicos são considerados ilegais pela Lei de Substâncias Controladas, embora, o uso cerimonial do peiote pelos nativos americanos é protegido por regulamentação federal, em pelo menos 28 estados.
A Food and Drug Administration (FDA) concedeu a designação de terapia inovadora para MDMA para TEPT, em 2017, e em 2018, a agência concedeu, pela primeira vez, a mesma designação para a psilocibina, para depressão resistente ao tratamento.
Em agosto de 2024, a FDA deve regulamentar o MDMA para uso terapêutico, em conjunto com intervenção psicológica, para pessoas com TEPT, uma vez que a agência já aceitou um pedido da Lykos Therapeutics.
Além de pequenas mudanças em nível federal, alguns estados e cidades legalizaram os psicodélicos para fins médicos ou descriminalizaram para uso pessoal. O estado de Oregon descriminalizou a maioria das drogas, em 2020, através da Medida 110.
O estado do Colorado descriminalizou a posse e o uso de pequenas quantidades de substâncias psicodélicas naturais para maiores de 21 anos. O estado também legalizou, com início previsto para finais de 2024, o uso supervisionado de psilocibina em instalações licenciadas ou com facilitadores clínicos licenciados. Em 2026, o estado poderá começar a legalizar substâncias psicodélicas adicionais à base de plantas, como DMT, ibogaína ou mescalina nos mesmos contextos.
Cerca de duas dúzias de cidades, em todo o país, fizeram alterações em suas leis relacionadas aos psicodélicos e descriminalizaram de alguma forma, a exemplo de Washington DC que, em 2020, descriminalizou o uso pessoal de psilocibina.
Em exceção, a legislatura do estado da Califórnia aprovou um projeto de lei para descriminalizar o uso e posse pessoal de psicodélicos, mas foi negado pelo poder executivo.
O Projeto de Lei HB 2105 do Arizona busca estender o prazo do programa estadual para pesquisar psilocibina.
O Maryland HB 548 cria uma “Força-Tarefa sobre Uso Responsável de Substâncias Psicodélicas Naturais”, para estudar psicodélicos e fazer recomendações aos líderes estaduais sobre eles, até meados de dezembro de 2025.
No Alasca, as medidas complementares SB 166 e HB 228 devem criar uma força-tarefa para estudar medicina psicodélica.
O HB 1830 no Missouri prevê um estudo sobre o uso de psilocibina para tratar depressão e uso de substâncias ou como parte de cuidados de fim de vida.
Ilhas Virgens Britânicas
A psilocibina também é legalizada nas Ilhas Virgens Britânicas, para posse e uso, mas não há permissão para venda.
Israel
Aprovou um programa de uso compassivo para uso terapêutico de MDMA, em 2019, para tratamento de pessoas com TEPT e para várias outras condições. Atualmente, uma empresa startup realiza estudos para produção de psilocibina biológica de alta qualidade e outros compostos psicoativos de forma consistente o suficiente para atender aos padrões médicos.
O estudo sobre a ibogaína visa alcançar benefícios que incluem sintomas de abstinência drasticamente reduzidos e menos efeitos colaterais.
Jamaica
A Jamaica é um lugar popular para o turismo psicodélico, graças à ausência de qualquer Lei em torno da psilocibina . Os cogumelos mágicos nunca foram ilegais no país, pois a psilocibina não está listada no Dangerous Drugs Act.
México
No México, em geral, os psicodélicos são considerados ilegais. No entanto, há uma exceção que tornou o país um centro de retiros psicodélicos: o artigo 195 bis do Código Penal Federal estabelece que as pessoas não podem ser processadas por uso espiritual ou cerimonial de psilocibina ou 5-MeO-DMT. Este último é secretado por uma glândula no sapo do deserto de Sonora e também é encontrado em algumas plantas. O peiote é legal no México apenas para cerimônias e tradições indígenas.
A ibogaína não é regulamentada no México, o que faz do país um local onde as pessoas procuram tratamento.
Nepal
No Nepal, psicodélicos como a psilocibina não são explicitamente mencionados na lista de substâncias narcóticas no Nepal Narcotic Drugs (Control) Act. O Centro de Ciências Psicodélicas da UC Berkeley relata que a psilocibina é legal no país.
Nova Zelândia
A ibogaína pode ser prescrita legalmente na Nova Zelândia. Mais de 150 especialistas assinaram uma carta aberta ao governo pedindo a legalização de todas as drogas na Nova Zelândia.
Peru
A ayahuasca também é legalizada no Peru, que em 2008, designou o psicodélico como parte da herança indígena. A lei permite que as pessoas possuam uma quantidade fixa de cocaína e maconha para uso pessoal e exceder o limite pode levar a detenção e investigação por tráfico de drogas.
União Europeia
A União Europeia classifica os psicodélicos como Classe I, o que significa que são altamente controlados e ilegais, exceto para “fins científicos ou médicos, limitados e controlados”.
Apesar da ilegalidade das substâncias psicodélicas em toda a UE, alguns países tomaram medidas para legalizar ou descriminalizar certas substâncias, como:
- República Tcheca descriminalizou a posse pessoal de pequenas quantidades de psilocibina, MDMA, LSD e peiote.
- Portugal, no início do século XXI, descriminalizou a posse e consumo pessoal de todas as drogas.
- Espanha descriminalizou o uso de drogas.
Reino Unido
O uso das substâncias psicodélicas ainda são muito controladas no Reino Unido. Os psicodélicos LSD e psilocibina estão classificados na Lista 1, definidos como não tendo “nenhum benefício terapêutico” e exigindo licença do escritório central (governo), além de consideráveis implicações de segurança e custos na realização das pesquisas científicas.
Países Baixos
Na Holanda, a psilocibina é ilegal, embora outras formas do composto não o sejam. As trufas mágicas são legais e frequentemente encontradas em cafeterias de pontos turísticos. Embora não sejam as cepas clássicas de cogumelos mágicos secos, as trufas contêm psilocibina, psilocina e baeocistina, criando uma viagem semelhante.
A ibogaína e outros psicodélicos não são regulamentados no país e permanecem ilegais.
Samoa
A Lei de Narcóticos de Samoa proíbe fungos psicodélicos e a psilocibina é classificada como um narcótico de Classe A.
Suíça
País que sintetizou, acidentalmente, o LSD psicodélico, a Suíça descriminalizou o uso de substâncias em geral e permite o uso compassivo restrito em um contexto médico de LSD e de alguns outros psicodélicos.
O país tem um programa de uso excepcional em vigor desde a década de 1980 e a lei mais recente está em vigor desde 2014. A Secretaria Federal de Saúde Pública deverá conceder licenças para tal uso e informa que cerca de 70 médicos têm licenças.
Uruguai
O Uruguai foi o primeiro país a legalizar a Cannabis. Em 2013, o país descriminalizou todo o consumo de drogas. No entanto, não há turismo ou comércio no local e, apesar da descriminalização generalizada, o país não desenvolveu uma notoriedade internacional em torno da psilocibina.
Referências:
LITMAN, Victoria. Política psicodélica, liberdade religiosa e segurança pública: uma visão geral. Ohio State Journal of Criminal Law, a ser publicado, 2023.