Chuvas sem precedentes atingiram o leste da Austrália, na região de Northern Rivers, provocando inundações que invadiram as casas e desalojaram grande parte dos moradores da região. Estima-se que algo em torno de 15 a 20 mil pessoas foram afetadas, causando um enorme trauma coletivo e individual.
A região norte das cidades Nova Gales do Sul e Lismore sofreram as inundações mais devastadoras da Austrália e as pessoas ainda sofrem consequências desse impacto ambiental e psicológico, apresentando sintomas característicos do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), relacionado a desastres.
As pessoas afetadas, que apresentaram sintomas recorrentes de TEPT, corresponderam àquelas que procuraram alojamento de emergência (aproximadamente duas mil pessoas), que foram deslocadas das suas comunidades (entre 15 mil e 20 mil pessoas), durante as inundações ou foram atendidas pelos serviços de emergência regionais (que realizou mais de 1.600 resgates).
Após as cheias, conforme o grau de risco de vida a que foram expostas, aumentaram acentuadamente as taxas de sintomas relacionados com o TEPT, na comunidade, apesar de ser impossível prever ou mensurar o comprometimento da saúde mental.
Em um estudo inovador, pesquisadores da Southern Cross University (SCU), na Austrália, testarão o uso de terapia assistida por 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA-AT) em grupos de pacientes que sofrem de TEPT, relacionado a desastres naturais.
Com o apoio financeiro do governo australiano, a equipe dos médicos pesquisadores recebeu mais de AUD $ 3,8 milhões (aproximadamente US$ 2,5 milhões), para apoiar indivíduos afetados pelas devastadoras enchentes dos Rios do Norte.
O estudo, que se fundamenta em uma combinação de terapias, será um dos primeiros estudos de saúde mental a centrar-se na recuperação do TEPT, relacionado com desastres.
Essa nova abordagem para ensaios clínicos relacionados ao TEPT é baseada em um modelo de tratamento de “cuidados escalonados”, que compreende uma mistura de terapias inspiradas nas artes e na natureza, bem como em uma potencial intervenção baseada em MDMA.
O modelo de tratamento escalonado consiste em um sistema baseado em evidências para a prestação e monitorização da saúde mental, em que o tratamento mais eficaz, mas com menos recursos, é utilizado inicialmente, com a intervenção progredindo de acordo com a necessidade do paciente.
Nesse caso, os pacientes devem ser tratados, primeiramente, com uma combinação das terapias descritas e receberão uma intervenção baseada em MDMA, caso os seus sintomas não melhorem.
Após as cheias ocorridas em 2017, observou-se que os problemas de saúde mental foram agravados em pessoas mais autocríticas e que se culpavam e esse estudo comportamental resultou na criação de um programa de cuidados escalonados com foco na autocompaixão.
Aproveitando o programa desenvolvido, a Etapa 1 compõe-se de cinco sessões, que envolve os participantes na criação de obras de arte focadas na compaixão. Caso os participantes ainda persistam no quadro de TEPT, tornam-se elegíveis para a Etapa 2, a terapia assistida por MDMA.
Pesquisas anteriores mostraram que a terapia assistida por MDMA é um tratamento eficaz baseado em evidências para o TEPT e aumenta a autocompaixão. Este será o primeiro caso de um modelo de cuidados escalonados implementado para tratar pacientes com TEPT, relacionado com desastres naturais, em um estudo plurianual.
Há menos de um ano, a Australian Therapeutic Goods Administration (TGA) decidiu reprogramar o MDMA e a psilocibina e reconheceu essas substâncias como medicamentos para uso em TEPT e depressão resistente ao tratamento (TRD), em psicoterapia psicodélica assistida, para tratar condições específicas de saúde mental.
A reclassificação de certos usos da psilocibina e do MDMA ocorreu porque a TGA concluiu que os benefícios para os pacientes e para a saúde pública superam agora os riscos, embora ainda não existam protocolos de tratamento estabelecidos.
Além disso, os psiquiatras continuarão a considerar primeiro o tratamento com medicamentos aprovados incluídos no Registro Australiano de Produtos Terapêuticos (ARTG) e, os casos que não responderem ao tratamento, seguirão com o tratamento psicodélico assistido.
Desde 1 de julho de 2023, a psilocibina e o MDMA podem ser prescritos para os fins permitidos, apenas por um médico com autoridade que rege essa substância e também podem ser usados em ensaios clínicos aprovados.
Apenas os psiquiatras com a autoridade necessária são considerados pela TGA como tendo formação e experiência para diagnosticar e tratar adequadamente as condições relevantes. Na Austrália, uma consulta com um psiquiatra geralmente requer encaminhamento de um médico geral.
Os pesquisadores mostraram-se entusiasmados com o incentivo federal para futuras pesquisas sobre MDMA, especialmente em um subconjunto relativamente negligenciado de pacientes com TEPT. Também é importante ressaltar que o estudo empregará um modelo MDMA-AT em grupo, o que o diferencia de muitos outros estudos da modalidade.
Essa não é a primeira vez que o governo federal australiano reserva fundos para pesquisas relacionadas aos psicodélicos. Em Março de 2021, houve um programa de subsídios de 15 milhões de dólares para apoiar a investigação sobre substâncias psicodélicas, que surgiu poucas semanas depois de a TGA ter rejeitado pedidos anteriores para a reclassificação das drogas.
Referências
DIXON RITCHIE, Octavian; DONLEY, Cameron N.; DIXON RITCHIE, Gabrielle. From prohibited to prescribed: The rescheduling of MDMA and psilocybin in Australia. Drug Science, Policy and Law, v. 9, p. 20503245231198472, 2023.